O onibus

Sento-me no lugar de costume.
O onibus me parece mais vazio do que o comum, em
bora eu preferisse estar sozinho nesse momento.
A figura a três bancos a minha frente, um dos poucos ocupados deste lado do onibus, parece-me inquieta, sua figura inspira-me curiosidade. Observo melhor.
É um senhor que já trás os cabelos todos brancos, seu óculos redondo rebusca-lhe ainda mais tempos antigos, veste um casaco verde musgo com pequenas listras vermelhas, afastadas de mais para que eu o considere xadrez.
O velho tosse, por algum motivo inexistente desvio o olhar, como se eu tivesse sido descoberto em minha observação, um intruso naquele momento tão particular.
A tosse passa e eu, já não mais preocupado com os problemas do dia nem mesmo com a forte dor de cabeça causada pelo excesso de horas no computador do trabalho, volto a mergulhar naquele universo que não é meu. Sou um intruso, um bisbilhoteiro sem direitos, um espião.
Reflito um pouco mais sobre a sua figura, não parece vir do trabalho, não tem o ar cansado dos que o fazem e o horário não é muito comum, não parece ter ido visitar nem ao médico, não trás exames debaixo do braço nem o sorriso de um reencontro. O que será que o deixara agitado naquele momento? Qual será o motivo da tosse? Estaria doente? Muito doente?
O onibus para, meu alvo observado levanta-se calmamente, ao passar ao meu lado faz um aceno com a cabeça com um tom de adeus. Desce do onibus.
Continuo meu trajeto, imóvel, ainda especulando a figura que agora não me sai da mente.
Nada mais posso fazer se não esquecer.
Meu ponto, eu desço. Adeus.






O conto do fantasma noturno

Ando pela rua escura.
Vejo-a ao longe. Sua figura aguça minha curiosidade. Quem é ela?
Já é tarde da noite, além de mim, são poucos e de aparência duvidosa aqueles que se ariscam a caminhar na rua quase deserta e mal iluminada. Ela porém, parece passear por entre os cruzamentos vazios de carros e, ao mesmo tempo, sua figura atemporal faz com que pareça perdida em meio a imensidão da rua já quase vazia.
Sua presença perturba-me de tal forma que não consigo deixar de segui-la com o olhar, de longe, sem jamais perturbar seu passeio noturno. Reparo agora em sua figura, minha mente já perturbada pelo álcool me faz vê-la como uma figura de um tempo mais antigo, algo entorno do século XIX talvez, embora seu jeans escuro aparentemente rasgado nos joelhos e seu cabelo que, embora comprido, demonstra bem um estilo comtemporaneo provem o contrário.
Está agora iluminada sob a luz de um dos poucos postes que ainda funcionam, mesmo com essa escassa iluminação reparo em sua pele branca como se jamais tivesse sido tocada pelo sol, seus olhos, mesmo distantes e mal iluminados parecem emanar medo.
Inquieto-me.
Meus passos tornam-se mais rápidos, quero perguntar-lhe quem é e o que faz tão tarde na rua. Dizer-lhe que sua figura frágil inquietou-me. Mas ela agora corre, como se pressentisse meus movimentos, entra numa casa e desaparece na noite.
A rua volta ao seu vazio original, pergunto-me se meu delírio foi compartilhado por mais alguma das figuras que não me inspiram confiança na rua ou se fora apenas mais um delírio.
Não sei por onde anda a pequena que vive na noite, mais sua figura ainda atormenta a minha existência e provavelmente a de qualquer um que um dia possa vê-la em seu passeio pela noite.





A volta

Parou para olhar para trás
era um ponto fixo na parede
o que a incomodava.

Uma mancha a qual tinha dado o nome de passado
uma mancha que a tempos estava ali
Naquela parede
Atrás dela, não importando o quanto se distanciasse.

Olhar para aquilo se fazia mal
Sentia-se incompleta por assim dizer
Faltava-lhe algo
faltava-lhe a doçura que um dia tivera
faltava-lhe o sorriso infantil e a sinceridade
faltava-lhe verdade.

Queria voltar,
Não apagar a mancha, mais tornar-se mais uma vez parte dela
Voltar a fazer parte dos desenhos que agora habitam sua mente
Os desenhos do passado

Incompleta,
instantânea...quem era mesmo aquela garota?
Por que volta-se contra si mesma?
Retorne ao início
grita-lhe a voz
Volta a ser pequena,
quase como um pontinho num fundo branco
Retorne a inocência
Retorne ao início
Volte a si.